Reportagem de Patrícia Lima publicada no caderno "Donna" do jornal "Zero Hora" do dia 31 de julho de 2011 (domingo):Memórias saem do baú para a tela do computador e ajudam a reunir de amigos de infância a colegas de colégio e faculdade que há muito não se viam
Rever, relembrar, revisitar, reviver. Reencontrar. O prefixo que transforma o significado de todos esses verbos ganhou um novo sentido em tempos de internet. Com as redes sociais fazendo parte da vida de todo o tipo de gente, os amigos de infância, os colegas do colégio, as outras crianças do bairro e todas as turmas que, em algum momento da v ida ficaram para trás, voltam a assumir papel de destaque no tempo presente.
Pela primeira vez na história, é possível libertar as memórias que pareciam trancafiadas em um baú enfeitado com felicidades, cuja chave antes permanecia inatingív el aos cuidados do tempo. Os orkuts, facebooks, twitters e todos os outros tipos de ferramentas de conectividade trouxeram para o hoje as pessoas que estavam guardadas definitivamente no ontem. É tempo de reencontrar.
Prova disso são as reuniões de velhas turmas que pipocam nas redes sociais e terminam em um encontro real de gente que há muito não se via. Basta ter tido uma história no passado, de preferência na infância ou adolescência e adicionar como amigo no Facebook (ou qualquer outra rede de relacionamento). Pronto. Depois, é só combinar data e local para rever antigos amigos e descobrir as novas pessoas que eles se tornaram.
A psicóloga Alice Peres – ela própria membro de uma turma de ex-colegas que retomou neste ano o contato – comenta que reencontrar pessoas queridas é um desejo normal e comum a praticamente todo mundo.
– A retomada de parte da história pessoal e coletiva ajuda na construção da identidade de cada um. Além disso, esses reencontros promov em resgates afetivos, trazendo de volta sentimentos de carinho e afinidade que só fazem bem – afirma.
Escritor e recentemente inebriado pela possibilidade de reencontrar amigos de outros tempos, Ruben Penz acredita que a internet é o meio mais eficiente para promover essas reuniões. Ressalta, no entanto, que contatos virtuais de nada v alem se não resultarem em um olho no olho, um abraço, uma conversa ao vivo:
– Quando revemos nossos amigos de infância, voltamos a sorrir sem máscaras, pois nos revemos naqueles rostos tão familiares. Por isso, os contatos virtuais precisam ter um desdobramento real.
Mas será sempre tão bom assim?
Ao abrir o perfil no Facebook, você depara com uma foto sua na festa junina da escola, há milênios, com aquele cabelo horrível e antes de usar o aparelho, com grande destaque no perfil de um amigo seu. Situação semelhante viveu a professora e pesquisadora da Famecos Mágda Cunha, que postou um comentário na sua página no Twitter sobre esse tipo de exposição, comum em tempos de redes sociais.
Para ela, a fronteira entre o público e o privado está borrada e é difícil saber onde ficam os limites, já que a superexposição é uma das faces da presença das pessoas em sites de relacionamento. O segredo, segundo ela, é aprender a conviver com essas mazelas. Segundo ela, esse retorno ao passado é um fenômeno capaz de remexer o presente, ou seja, o que passou torna-se atual, alterando, de alguma forma, o processo de construção da memória.
– Hoje, o compartilhamento é o que dita as regras da comunicação nas redes. Depois que nosso perfil é público, não temos mais controle total sobre ele. Temos que saber lidar com isso – completa.
Elas agitam pelo FaceDesde que se formou, em 2001, na Faculdade de Direito Ritter dos Reis, Patrícia Köbe tenta reunir os colegas de turma para reviver os momentos felizes que teve durante a graduação. Antes do Facebook, a lista era pequena. Hoje, com as amigas (e ex-colegas de curso) Rosângela Behnck, Leila Ruschel e Jaqueline Brasil, Patrícia se prepara para a festa de 10 anos de formatura, organizada quase que exclusivamente pela internet e que promete reunir colegas de todos os cantos do país para o reencontro.
Leila, que é responsável pela lista de pessoas contatadas, comenta que a felicidade de todos é grande ao ser encontrado por um antigo colega. Diz ainda que muitos se sensibilizam ao ver, nos perfis dos amigos, as fotos dos tempos de faculdade, em eventos como a Festa dos 100 Dias, a Festa dos Bichos e até a Rapadura Dançante, festa junina que ficou popular entre os estudantes. O trabalho de buscar quem se perdeu será coroado com uma reunião marcada para o dia 10 de setembro, em que todos comerão pizza e poderão saborear a companhia de gente que não se v ia há anos.
– Estamos todas ansiosas, pois vamos reencontrar pessoas que fizeram parte da nossa vida e com quem temos afinidades – diz Rosângela.
– Será uma troca de carinho e emoção – enfatiza Jaqueline.
As meninas são unânimes ao reconhecer o poder das redes sociais na promoção de reencontros como o que elas esperam viver em setembro. Para elas, o Facebook possibilitou o resgate de muitos colegas afastados e acalorou a convivência de quem já estava próximo, como é o caso das quatro amigas.
– Hoje, com o Face, nos vemos muito mais do que antes. Combinamos encontros pela rede e temos muito mais intimidade – diz Rosângela.
Algumas gostaram tanto de rever velhos conhecidos que estenderam a mania para outros grupos de convivência, extrapolando a turma da faculdade. É caso de Jaqueline, que já se reuniu com colegas de colégio e até do CTG do qual participava graças aos perfis nas redes sociais. Patrícia achou os amigos do Colégio São João, e Leila mantém contato com amigos das décadas de 197 0 e 1980. Tudo tão próximo como um clique.
Quanto mais conectados, melhorNo tempo em que e-mail era novidade, eles já cultivavam o hábito de se encontrar para relembrar os tempos de colégio. Tanto que, ao completar cinco anos de formatura no Colégio Farroupilha, em Porto Alegre, alguns poucos colegas, não mais do que 30 pessoas, conseguiram se reunir para celebrar a amizade que não se esvai com o tempo e a distância. Assim foi até a festa de 15 anos. Pouca gente, muita vontade de trazer de volta tantos outros colegas de quem se sabia muito pouco – e que faziam falta.
Até que a comemoração de 20 anos foi diferente. As redes sociais já estavam mais popularizadas, e o Facebook fez o favor de procurar e encontrar muita gente perdida. Resultado: mais de 80 pessoas, muitos que não haviam recebido sequer uma notícia dos colegas desde que deixaram a escola.
Todos conectados e com contatos mais frequentes entre si, o grupo que visita a redação de Zero Hora para dar entrevista compartilha quase uma intimidade, uma cumplicidade incomum. Guilherme, Fabiana, Renata, Isabela, João Batista, Rodrigo e Paulo Ricardo trocam brincadeiras, sorrisos, piadas, confidências até. Como nos velhos tempos.
– As redes sociais não constroem o que não existe. Tínhamos uma amizade muito forte, que foi reativada graças a esta ferramenta – afirma João.
– Nos encontros que promovemos, as pessoas se revelam, se mostram sem as máscaras. Isso é maravilhoso – diz Isabela.
– Agora que temos contato mais frequente pela internet, podemos saber da v ida dos amigos, dos filhos que nascem, as famílias que se formam. Tudo isso nos deixa com muito mais vontade de nos encontrar – revela Guilherme.
Ansiosos pelo próximo encontro presencial da turma, que ocorre no próximo dia 10, os amigos estão caprichando na conexão para garantir a presença do maior número de colegas. O grupo formado no
Facebook v irou um grande fórum em que eles postam as expectativas e os preparativos do evento, que pretende atrasar em 20 anos o relógio do tempo.
Depois de 40 anos... Jaqueline de Nardi, aposentada de 53 anos, nunca foi muito ligada em internet. Mas precisou se render aos encantos do Facebook quando, depois da insistência de algumas amigas, entrou para um grupo formado por ex-alunas do Colégio Americano de Porto Alegre. Há dois meses ela finalmente se encontrou, pessoalmente, com amigas que não v ia há 30, 40 anos.
– Foi tão emocionante, reconheci aqueles rostos, reviv i momentos lindos do nosso passado. As broncas da diretora, as peças teatrais no palco da escola, as coisas que fazíamos juntas. Enfim, foi maravilhoso – derrete-se.
Cumplicidade e intimidade não são sentimentos que possam ser recuperados em uma noite ou depois de conversas pela internet, mas, para Jaqueline, o tempo vai se encarregar de devolver às amigas de infância o deleite dessas sensações, conquistadas somente com a convivência. Dividida entre uma fazenda em Erechim, o sítio no litoral catarinense e a casa em Porto Alegre, ela não cultiva o hábito de visitar as redes sociais diariamente. Mas tudo bem.
– Continuamos sempre em contato pelo Facebook. Não gosto de entrar todos os dias, de ficar sempre conectada. Mas o pouco tempo que dedico à internet é suficiente para manter v iv a nossa relação – garante.
Eles querem ter um milhão de amigos – ou quase– Vamos chamar a Norma!
Era com a ameaça de chamar a coordenadora pedagógica do Colégio Champagnat que a repórter conseguia a atenção do grupo por alguns segundos. Era preciso fazer a entrevista. Lançava-se uma pergunta qualquer e todos se punham a responder. Duas, três palavras correspondentes ao assunto proposto e... pronto. O papo já voltava a ser sobre os tempos da escola, colegas, professores, festas, transgressões, aprovações, reprovações, enfim, as vivências saboreadas na tenra juventude do grupo que se reuniu à mesa de um bar, a convite de Donna, para falar sobre sua relação virtual e real.
Ex-alunos do Champagnat na década de 1990, eles queriam se reencontrar. Tentaram de muitas formas, usando telefone, e-mail, buscando pelo Google. Mas foi com o Facebook que eles acharam a medida para matar a saudade dos velhos tempos e a coragem de abraçar o passado e viver coisas novas com gente que havia ficado no passado. Para muitos que estão ali naquela mesa, esta é a primeira vez. Outros já estão se acostumando com o frio na barriga que dá o reencontro.
Entusiasta da iniciativa, Daniel Ribeiro continua procurando. Já encontrou centenas de colegas, mas quer mais. Quer achar, achar e achar as gentes que povoaram o seu passado.
– Esses momentos nos trazem saudade, nos devolvem memórias. São muito especiais – diz.
– E, além do mais, é muito divertido. É o máximo ver as mudanças das pessoas, as transformações. Assim vemos como mudamos também – afirma Ana Kátia de Souza.
– Bah, eu dancei lambada com a professora mais casca do colégio... – dispara Carlos de Souza, deixando para trás o tema da entrevista, mais uma vez.
– Não quero abandonar nunca esses amigos, tanto ao vivo quanto pelas redes sociais – sentencia Karina Santander.
Assim, com um bloco recheado de lembranças, a reportagem de Donna deixa a mesa do bar, que a esta altura já está tomada por uma nostalgia diferente. Os colegas ficam. E riem, contam, lembram. Nesse momento, nem a temida Norma poderia interrompê-los.