Na década de 1980, Udo Schmiedt se expôs à contaminação por agrotóxicos quando vistoriava lavouras de soja e regulava as máquinas pulverizadoras. Depois do perigo, passou a trabalhar com paisagismo, floricultura e geração de energias alternativas não poluentes
Reportagem publicada no jornal "Zero Hora" por Nilson Mariano - dia 20.11.2010 (sábado)
Nuvens de agrotóxicos pairavam sobre as lavouras de soja, exterminando as lagartas e os percevejos que ameaçavam as colheitas — e os passarinhos também. Agricultores eram hospitalizados, babando e de olhos esgazeados, após borrifar defensivos nas plantações. Alguns morreram, na agonia de tremores e suores, deixando viúvas e órfãos. No front dessa guerra química, por ser um engenheiro agrônomo de campo, Udo Werner Schmiedt receou não sobreviver.
Em 1985, aos 28 anos, Udo resolveu afastar-se das campinas bombardeadas por venenos da classe dos fosforados. Abismou-se ao constatar que uma pesquisa feita com 84 trabalhadores rurais de Colorado, na região Noroeste, por meio de análise de sangue, apontou contaminação em 22,61% deles. Quatro anos depois, selou o rompimento ao estudar agricultura tropical na Alemanha. Logo emendou um mestrado na Inglaterra, onde investigou os efeitos perniciosos do herbicida trifluralina.
De volta a Não-Me-Toque, onde nasceu e mora, Udo começou a produzir mudas de hortaliças, livres de agrotóxicos. Abriu uma floricultura, passou a utilizar os conhecimentos de Agronomia — cursada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) — em projetos de ajardinamento e paisagismo. Na terça-feira, foi a Carazinho para embelezar a fazenda de um criador de cavalos. Uma das novidades será uma alameda, guarnecida por coqueiros alinhados simetricamente, que conduzirá ao casarão do estancieiro.
Udo também se dedica a fontes de energia alternativa, acionadas pela força do vento, da água e do sol. Obviamente, nenhuma delas pode atentar contra a natureza. No momento, está oferecendo um plano eólico com um cata-vento de 12 metros de altura e 150 quilos de peso, que gera 2 kW por hora. São 500 kW por mês, sem agredir a camada de ozônio ou agravar o efeito estufa, o suficiente para abastecer um pequeno edifício.
— Agora estou fazendo o que gosto, e preservando a minha saúde e o ambiente — ressalta o agrônomo.
Não era assim antes. Durante nove anos, Udo foi exposto à neblina mortífera de agrotóxicos posteriormente vetados. Pegou a fase final dos clorados, depois padeceu com o auge dos fosforados, na década de 1980. Como atuava por uma cooperativa, tinha de examinar as máquinas de aspergir venenos e as lavouras dos produtores associados.
Proteção não era confiável
Arriscava-se tanto — ou mais — quanto os agricultores. Duas ou três vezes por semana, regulava a vazão dos bicos (pequenas torneiras) das pulverizadoras que são tracionadas por tratores. Devia garantir que a mistura — tipo um litro de biocida para 200 litros de água — fosse distribuída uniformemente. Udo apavorou-se quando viu um agricultor desobstruir um dos bicos da regadora soprando o furinho com a própria boca.
— As pessoas ignoravam o perigo que corriam — lembra.
Uma das missões mais temidas era vistoriar a lavoura após a pulverização. Três dias depois, Udo entrava de botas de couro e macacão de brim na plantação ainda fumegante, para conferir se os insetos tinham sido mesmo eliminados. Sentia que o solo recendia a veneno, partículas químicas flutuavam, o bafio silencioso da morte não se dispersara.
O nariz de Udo impregnava-se. Bastava andar de carro pelas estradinhas rurais, a serviço da cooperativa, para aspirar as emanações provenientes dos cultivos. A única maneira de se proteger seria andar num escafandro, desses de mergulhar nos abissais do oceano, porque as máscaras disponíveis não eram seguras.
A morbidez dos pesticidas é passado. Atualmente, Udo cuida da floricultura, de cata-ventos e de baterias solares. Também faz ações comunitárias, como presidente dos conselhos do Meio Ambiente e de Segurança Pública de Não-Me-Toque. Está alarmado com outra praga, talvez mais devastadora que os agrotóxicos: o crack. Há cinco anos, a droga convulsiona a cidade com furtos e assaltos. É o novo desafio de Udo.

Foto:Jean Schwarz
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