18 setembro 2008

O puxão de orelha do ladrão

Notícia publicada no jornal "Zero Hora" do dia 18 de setembro de 2008 (pág. 40):

Ao encontrar uma criança de cinco anos dormindo no banco de trás do automóvel que acabara de furtar homem liga para a polícia para repreender pais
– Seguinte, eu vou ser bem sincero pra ti, tá? Eu roubei um carro ali, tá, agora – diz um ladrão para um PM, ao telefone. – E eu peguei o carro e tinha uma criança dentro, cara, e eu não vi. A atitude do criminoso deixou sem reação o interlocutor de farda que atendeu ao 190, em Passo Fundo, no norte do Estado, na madrugada de quarta-feira. O ladrão informava ter deixado para trás um Monza recém-furtado, depois de ter percebido que uma menino de cinco anos dormia no banco traseiro. Em seguida, pede ao policial que mande uma viatura para pegar a criança e tece reprimendas à atitude dos pais.
O caso gerou um burburinho na cidade: todos especulam para saber quem é o homem que desistiu de levar o Monza para preservar a criança. A delegada da 2ª Delegacia de Polícia, Cláudia Crusius, que investiga o caso, diz que ainda não tem suspeitos. Entretanto, já adianta sua provável atitude caso identifique o autor do furto:
– Se eu descobrir quem é, não vou pedir prisão. Assim como ele agiu de bom senso com a criança, eu também vou agir de bom senso com ele.
O episódio também gerou outro inquérito, na Delegacia de Proteção à Criança e Adolescente, para apurar a responsabilidade do casal que deixou o menino no carro, estacionado em frente a um bar, no centro da cidade. De acordo com o delegado Mário Pezzi, os pais podem ser indiciados por abandono de incapaz. Nos próximos dias, ele deve ouvir outras testemunhas do caso. A mãe da criança e o padrasto foram ouvidos no Conselho Tutelar no início da tarde.

Padrasto disse que estava envergonhado e arrependido
O casal disse que havia parado no bar, localizado na Avenida Brasil, a principal de Passo Fundo, às 2h de ontem, para entregar panfletos de um candidato a vereador para alguns amigos. Segundo o padrasto, eles teriam deixado o menino dentro do carro porque ele dormia e não havia motivo para acordá-lo, já que passariam apenas alguns minutos no local. Entretanto, minutos depois, um ladrão furtou o Monza e rodou por cerca de 500 metros, até estacionar na Rua Sete de Agosto, também no Centro, em uma zona menos movimentada, quando notou a presença do menino.
A mãe não quis comentar o ocorrido, mas o padrasto se disse envergonhado e arrependido.
– A gente deixou as portas destravadas e o vidro com uma fresta para que o menino ficasse bem. Se ele acordasse também poderia sair. Foi uma vacilada – admite o padrasto.
Depois de estacionar, o ladrão abandonou o veículo e caminhou até um telefone público. Ele ligou para o 190 da Brigada Militar, avisou a polícia e disse onde havia furtado veículo e onde o havia abandonado.
– Criança não pode ficar sozinha nunca – disse Tereza Cappellesso, conselheira tutelar-substituta, que atendeu à ocorrência na madrugada.
Com a indicação do criminoso, policiais da Brigada Militar foram até o local e encontraram o Monza. Eles acordaram o garoto e se dirigiram até o bar onde estavam a mãe e o padrasto da criança. Todos foram levados até a delegacia. A conselheira disse que o menino estava bem vestido e não estava assustado. A família prometeu dar atenção máxima ao garoto depois do susto.

Saiba mais
Segundo a promotora da Infância e Juventude Ana Cristina Ferrarezi Cirne, para definir penalidades aos responsáveis por crianças abandonadas, é preciso saber se a atitude é única ou não. No caso de haver registro de ocorrências constantes, como maus-tratos, os responsáveis podem ter suspenso o poder familiar. Em caso de abandono material, a pena pode ser de prisão. Se o responsável descumpre o dever que tem em relação à criança, ele pode ter de pagar multa de três a 20 salários mínimos.

A conversa com a polícia
Brigada Militar – Brigada Militar, emergência.
Ladrão – Ô, boa noite, quem fala?
BM – Quem tá falando?
Ladrão – Oi, meu amigo, seguinte, ó. Esse bar aí do lado do Natus, sabe, o Natus na Avenida Brasil? Seguinte, eu vou ser bem sincero pra ti, tá? Eu roubei um carro ali, tá, agora. E eu peguei o carro e tinha uma criança dentro, cara, e eu não vi, entendeu, não vi. Então o que que eu fiz, eu peguei o carro e botei o carro atrás do Fagundes (o Colégio Estadual Joaquim Fagundes dos Reis, próximo ao local onde o carro foi deixado), tá? Então tu manda uma viatura lá e manda o f... (diz um palavrão) do pai dele pegar ele e levar pra casa, um piazinho, tá.
BM – Tá ok.
Ladrão – Tá. Valeu.
BM – Onde que tá o carro?
Ladrão – Tá bem na esquina do Enav (a Escola Estadual Nicolau de Araújo Vergueiro, próximo ao local), ali do postinho. Do postinho do Fagundes, entre o Fagundes e o Enav, ali. O Fagundes e o ..., atrás ali do Fagundes, ali. (não inteligível)
BM – Atrás do Fagundes? Tá ok. Que carro é?
Ladrão – É um Monza, tem um piazinho dormindo no banco de trás, tá. E diz pro f... (palavrão) do pai dele, a próxima vez que eu pegar aquele auto e tiver o piá lá, eu vou matar ele.
BM – Tá ok.

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