Crônica de Martha Medeiros publicada no jornal "Zero Hora" do dia 9 de dezembro de 2009 (quarta-feira):
Eu já tinha a crônica de hoje pronta. Era sobre o atraso da classe política e sobre a nossa imobilidade diante da corrupção, mas me incomodava a sensação de estar chovendo no molhado. Foi então que li ontem na Zero Hora um depoimento sobre outro tipo de atraso, feito pela torrense Nilda de Jesus Silva, que declarou: “Estranho os jovens se atrasarem para a prova do Enem. Se fosse jogo de futebol, estariam esperando por várias horas, e para shows, vão para as filas dois ou três dias antes, mas quando o assunto é colégio...”. Acabei postando o texto sobre corrupção no meu blog e resolvi dedicar esta coluna à observação perspicaz da Nilda.
Costumo dizer que sou a pessoa mais impontual que conheço: chego sempre 10 minutos antes do horário, e às vezes espero dentro do carro até que os minutos passem, a fim de não ficar sozinha na mesa do restaurante ou mofando na sala de espera. Mas como os manuais de segurança pública não recomendam que se fique dentro de um carro estacionado, acabo exercitando minha paciência em mesas de restaurantes e salas de espera, fazer o quê? Sem falar em quando me esforço em chegar numa festa um pouco depois do que pede o convite, e mesmo assim pego o anfitrião ainda no banho.
Porém, em dia de prova de vestibular, exame para carteira de motorista, cirurgia com hora marcada, audiência com o juiz e reunião secreta para receber propina, atrasos são injustificáveis. Você pode ter dificuldade de ser honesto, mas nada é mais fácil do que ser pontual. A palavra imprevisto não existe para quem tem um compromisso que pode mudar a vida. Telefones tocam quando você está com a chave na porta, o elevador enguiça, o trânsito congestiona. Acontece. Mas isso nunca é problema para quem costuma sair de casa com o mesmo fanatismo de quem deseja assistir à Madonna na fila do gargarejo, ou seja, com antecedência suficiente.
Escrevi a palavra fanatismo e senti um mal-estar: será que virei uma aiatolá do relógio? Não, nem poderia: a cultura local não incentiva o radicalismo quando o assunto é pontualidade. Já estou habituada a esperar pela noiva na igreja, pela decolagem dos voos e pela entrega do marcineiro, sempre com um sorriso no rosto, sem reclamar, sem rogar praga. Aproveito o tempo de espera para sonhar acordada. Abstraio e me visualizo numa estação ferroviária de Paris, com um bilhete na mão para viajar para Amsterdã no trem que sairá às 11h52min. Entro no meu vagão (às 11h42min, lógico), me acomodo no meu assento, pego uma revista e desfruto 10 minutos de uma paz que só a segurança oferece. Minha confiança e meu humor não sofrerão abalos. Então, exatamente às 11h52min, o trem parte e eu confirmo que nada pode ser mais moderno e pró-eficiente do que cumprir o combinado.
Isso também valeria para a classe política, não fosse outro sonho.
11 dezembro 2009
07 dezembro 2009
Colégio Sinodal - Matemática é arte em São Leopoldo
Projeto desenvolvido com alunos do 3º ano no Colégio Sinodal facilita entendimento da matériaCom a ajuda de um programa de computador, estudantes do Colégio Sinodal, de São Leopoldo, estão transformando equações matemáticas em arte.
Ao perceber que aquelas retas, curvas e circunferências podem ganhar cor e vida útil, os estudantes se impressionam. Participa quem quer. Porém, mesmo aqueles que preferem ficar longe dos números começam a enxergar a matéria com simpatia.
– Eu não gostava de matemática, mas quando vi o que poderia ser feito comecei a pensar diferente – revela Júlia Lewgoy Martini, 17 anos.
A iniciativa é do professor Marcelio Diogo, que foi apresentado ao software Graphequation nas aulas de mestrado, na UFRGS. O programa de computador tinha uma outra finalidade, mas ele resolveu adequá-lo à sala de aula.
O projeto é baseado na reprodução de imagens. São desenhos, personagens e até obras de arte. Com o auxílio do programa e de fórmulas matemáticas, cada quadro é reconstruído. O estudante tem de calcular uma média de 650 equações. Júlia, por exemplo, levou 30 dias para finalizar o trabalho.
– É um trabalho que exige dedicação. As equações têm de ser descobertas. O mais importante é que os alunos podem perceber que funciona. A dificuldade é justamente aproximar a matemática de algo que seja útil mas, assim que eles enxergam na reprodução de um quadro o conteúdo de sala de aula, se interessam – conta o professor.
As reproduções estão expostas na escola ao lado das figuras originais, aguçando a imaginação de alunos que ainda não participam do projeto.
– Como sou aluna do 2º ano, ainda não entendi o mecanismo, mas achei extraordinário – diz Letícia Rech.
Letícia Barbieri - São Leopoldo
Muitos cálculos para transformar números em figuras
- Todo o trabalho é feito no software Graphequation. Ele apresenta ao estudante um plano cartesiano, com uma reta horizontal, que forma o eixo X, e uma reta vertical, que forma o eixo Y. Para a execução, é utilizada uma escala em centímetros.
- Cada região da figura é determinada a partir de equações e inequações matemáticas trabalhadas em sala de aula. As regiões são formadas por circunferências, retas, elipses e arcos.
- Com uma régua e uma gravura impressa em mãos, o estudante determina os pontos importantes do desenho.
- Depois de medir no papel, digita no computador a fórmula da equação (que forma os traços) e da inequação (que forma uma região), e a figura aparece na tela.
- Para inserir uma circunferência, por exemplo, ele precisa medir o centro e o raio.
- Para inserir uma reta, precisa determinar e calcular a operação a partir de dois pontos.
- Para uma elipse, é preciso verificar o centro e o tamanho dos semieixos.
- Cerca de 600 equações chegam a ser feitas para refazer a gravura original.
Ao perceber que aquelas retas, curvas e circunferências podem ganhar cor e vida útil, os estudantes se impressionam. Participa quem quer. Porém, mesmo aqueles que preferem ficar longe dos números começam a enxergar a matéria com simpatia.
– Eu não gostava de matemática, mas quando vi o que poderia ser feito comecei a pensar diferente – revela Júlia Lewgoy Martini, 17 anos.
A iniciativa é do professor Marcelio Diogo, que foi apresentado ao software Graphequation nas aulas de mestrado, na UFRGS. O programa de computador tinha uma outra finalidade, mas ele resolveu adequá-lo à sala de aula.
O projeto é baseado na reprodução de imagens. São desenhos, personagens e até obras de arte. Com o auxílio do programa e de fórmulas matemáticas, cada quadro é reconstruído. O estudante tem de calcular uma média de 650 equações. Júlia, por exemplo, levou 30 dias para finalizar o trabalho.
– É um trabalho que exige dedicação. As equações têm de ser descobertas. O mais importante é que os alunos podem perceber que funciona. A dificuldade é justamente aproximar a matemática de algo que seja útil mas, assim que eles enxergam na reprodução de um quadro o conteúdo de sala de aula, se interessam – conta o professor.
As reproduções estão expostas na escola ao lado das figuras originais, aguçando a imaginação de alunos que ainda não participam do projeto.
– Como sou aluna do 2º ano, ainda não entendi o mecanismo, mas achei extraordinário – diz Letícia Rech.
Letícia Barbieri - São Leopoldo
Muitos cálculos para transformar números em figuras
- Todo o trabalho é feito no software Graphequation. Ele apresenta ao estudante um plano cartesiano, com uma reta horizontal, que forma o eixo X, e uma reta vertical, que forma o eixo Y. Para a execução, é utilizada uma escala em centímetros.
- Cada região da figura é determinada a partir de equações e inequações matemáticas trabalhadas em sala de aula. As regiões são formadas por circunferências, retas, elipses e arcos.
- Com uma régua e uma gravura impressa em mãos, o estudante determina os pontos importantes do desenho.
- Depois de medir no papel, digita no computador a fórmula da equação (que forma os traços) e da inequação (que forma uma região), e a figura aparece na tela.
- Para inserir uma circunferência, por exemplo, ele precisa medir o centro e o raio.
- Para inserir uma reta, precisa determinar e calcular a operação a partir de dois pontos.
- Para uma elipse, é preciso verificar o centro e o tamanho dos semieixos.
- Cerca de 600 equações chegam a ser feitas para refazer a gravura original.

02 dezembro 2009
Visita (adiantada) de Natal
22 novembro 2009
02 julho 2009
14 junho 2009
Reencontro de colegas - Uma amizade sem fim
Achei a reportagem transcria abaixo e penso que ele tem muito a ver conosco!
Reportagem publicada no jornal "Zero Hora" do dia 14 de junho de 2009 (domingo) - páginas 30 e 31:
REENCONTRO DE COLEGAS
Uma amizade sem fim
Em 1977, quando se formaram no Colégio Anchieta, em Porto Alegre, Maria Isabel Santos, 49 anos, e Manoel Inácio Martins, o Maneca, 50 anos, tomaram rumos diferentes. Três décadas depois, em um encontro com os antigos colegas em um café, eles não apenas voltaram a se ver, como também se apaixonaram. Hoje, estão noivos.
Passados tantos anos, o casal ri das coincidências que a vida armou. Por pouco, Isabel e Maneca ainda poderiam estar separados – como acontece com muita gente que, depois da cerimônia de formatura, perde o contato com os colegas.
Os rompimentos, muitas vezes involuntários, podem ser definitivos em alguns casos. Apesar disso, para a psicóloga Myrna Cicely Couto Giron, do Instituto de Terapias Integradas de Porto Alegre, nunca é tarde para a reconstrução de velhos laços de amizade.
– É provável que os ex-colegas que não vemos mais também sintam saudade. Partilhamos com essas pessoas um tempo feliz, por isso é tão importante para muita gente retomar esses vínculos – avalia Myrna.
Isabel e Maneca que o digam. Eles integravam duas das 14 turmas que se formaram em 1977 no Anchieta. Com o certificado de conclusão em mãos, ganharam o mundo. Maneca se tornou agrônomo e acabou na Bahia. Isabel cursou Jornalismo e rodou o Brasil. Somente em agosto passado, no bistrô que ela abriu na Capital com o sugestivo nome de Café 77, a história mudou. Ao cruzar os olhares mais uma vez, eles imediatamente se reconheceram.
– Nos tempos de colégio, eu sempre ficava olhando quando ela ia para casa. Existia uma certa atração, mas nunca aconteceu nada – recorda Maneca.
Não demorou muito para que os dois começassem a namorar. Em janeiro do ano passado, com o apoio dos amigos da época de escola, Isabel e Maneca trocaram alianças de noivado.
– Ainda não marcamos a data do casamento, mas com certeza vamos fazer uma grande festa, com todos os nossos ex-colegas do Anchieta junto – garante Isabel.
O desfecho dessa história de amor digna de cinema é motivo de orgulho entre os anchietanos formados em 1977. Desde que organizaram um baile, em 1997, quando completaram 20 anos da formatura, eles não se distanciaram mais. De lá para cá, criaram um site próprio e comemoraram os 25 e os 30 anos da conclusão do Ensino Médio. Não contentes, estão planejando mais um evento, para julho deste ano, que promete emocionar. A ideia, segundo o empresário Marcos Daudt, 49 anos, é chamar um grupo de ex-professores para ministrar mais uma aula, como nos velhos tempos.
Depois de 25 anos, grupo voltou a se encontrar
Atividades desse tipo, tanto quanto as tradicionais festas de reencontro, são mais do que artifícios para resgatar amizades, na opinião do psiquiatra Alfredo Cataldo Neto, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
– Se ao final da faculdade ou do colégio, as festas são uma maneira de elaborar o luto da separação, os reencontros são uma forma de buscar nos colegas a nossa própria história – explica Neto.
Em novembro passado, ex-colegas da turma de Enfermagem e Obstetrícia formada em 1983 na Universidade de Caxias do Sul (UCS), na Serra, sentiram isso na pele. Depois de 25 anos de afastamento, eles deixaram suas casas, em vários cantos do Estado, e voltaram a se encontrar em um evento com direito a homenagens especiais, presença de antigos mestres e boas-vindas do reitor.
Ao recordar os tempos da faculdade, muitos choraram. Ao final, segundo uma das organizadoras do evento, a professora Nilva Lúcia Rech Stedile, 47 anos, os novos velhos amigos decidiram que não vão se afastar:
– Foi tão bom, que já começamos a pensar na festa dos 30 anos de formatura. Agora que nos encontramos, não queremos mais perder o que recuperamos.
Juntos desde 1970
O dia 4 de dezembro é sagrado para um grupo de médicos gaúchos formados em 1970 na UFRGS. Todos os anos, nessa mesma época, os ex-colegas de turma se reencontram para comemorar a formatura, relembrar antigas histórias e, principalmente, reforçar velhos laços de amizade.
Fazem parte dessa confraria alguns dos nomes mais conhecidos da medicina gaúcha. Desde o início, segundo o cardiologista Fernando Lucchese, 61 anos, a empatia entre eles foi tanta que os jovens aspirantes a doutores não se desgrudaram mais.
– Fazemos questão de nos manter unidos – diz o epidemiologista Jair Ferreira, 61 anos.
Quando o assunto são as festas de reencontro, o líder da turma desde os anos 70 é o cardiologista Sérgio Vasconcellos Dornelles, 64 anos. Segundo os colegas de bisturi, é ele quem puxa a frente na organização dos encontros – que acontecem no mínimo uma vez por ano. Em seu apartamento, Dornelles guarda um livro de presenças, no qual registra as festas da turma, desde o princípio.
– Isso também é história – ensina.
História, aliás, é o que não falta a esses médicos – e elas volta e meia reaparecem nas festas anuais. Certa vez, no início da faculdade, os inseparáveis amigos participaram de um curso de primeiros socorros. Ferreira lembra que, para aprender a aplicar injeções, tiveram de treinar um no outro, enchendo seringas com água destilada.
– A enfermeira mandou um colega aplicar a injeção e aspirar. Em vez de mexer na ampola para ver se tinha ar, ele encheu os pulmões. Todo mundo riu – conta Ferreira, preservando a identidade do fanfarrão.
A prova de anatomia copiada
O epidemiologista Jair Ferreira é quem entrega um dos episódios mais comentados pela turma nos seus reencontros.
Em 1967, os universitários andavam preocupados com uma prova de anatomia patológica e decidiram organizar um plano engenhoso para ter acesso às questões. Sabendo que a secretária do curso saía sempre às 16h para tomar café, um dos alunos pulou a janela da sala da funcionária.
Enquanto isso, outros estudantes ficaram de guarda e um terceiro grupo foi até o balcão do bar para retardar o retorno da mulher.
– Graças a essa ação perfeitamente coordenada, o colega invasor conseguiu copiar 20 das 25 questões da prova e safar-se a tempo. Para admiração dos nossos professores, todos tiraram mais que oito naquela prova. Eu fui um deles – confessa Ferreira.
Lições de Jalaô e Nicodemo
Um outra tradição dos reencontros da turma de 1970 é entoar o hino da faculdade. Inusitada, a letra da canção faz referência a Nicodemo e Jalaô, que seriam dois antigos cadáveres usados nas lições de anatomia.
– Tínhamos muito carinho por eles. Acho que foi ali que aprendemos a respeitar nossos pacientes – relembra o cirurgião José Camargo, 62 anos, diretor médico do Hospital Dom Vicente Scherer.
No que depender de Camargo e dos formandos de 70, Nicodemo e Jalaô jamais serão esquecidos. Em dezembro deste ano, quando a turma completar 39 anos da formatura, os nomes dos dois velhos conhecidos provavelmente serão entoados mais uma vez, em mais um reencontro.
Para matar três décadas de saudade
Como naquelas festinhas de garagem que a turma costumava realizar no final da década de 70, os homens chegam primeiro e ficam encostados no balcão. O som ambiente no restaurante do bairro Moinhos de Vento, na Capital, em nada lembra o das Frenéticas que os embalava na época em que frequentavam o Colégio São Pedro, no bairro Floresta, mas a expectativa é tão grande como era a espera por aquele beijo roubado ao fim da noite.
Trinta anos depois de se formarem no 3º ano do então chamado 2º Grau (hoje Ensino Médio), em 1979, o servidor público Rogério Paranhos, 46 anos, e o mecânico de manutenção Hildor Horwarht, da mesma idade, preparam-se para reencontrar pela primeira vez os colegas da turma 233.
Quando as primeiras colegas aparecem, às 20h, têm dificuldades para reconhecê-las. Elas se esforçam para reconhecer aqueles senhores de cabelos brancos, com barriguinhas salientes. Puxam referências da sala de aula.
– Eu sou aquela quietinha – diz uma delas.
– Eu sou aquela que sentava na parede – ajuda outra.
– Eu era o pegador, o dono da garagem – brinca um terceiro.
Meia hora depois, com a maior parte da turma reunida, parecem íntimos outra vez. Com uma cópia da lista dos colegas da época, o professor de química aposentado Fábio Bohrer, 56 anos, faz a chamada. Dos 38 alunos, 25 estão presentes. Outros, como Aurélio Gimenez, que mora no Rio, mandaram mensagens.
Ao ser chamado, cada um conta em três minutos o que fez nesses 30 anos. Antonio Manfrim, que chegou a ser expulso pelo ex-professor no primeiro dia de aula por estar de empurra-empurra antes de entrar na sala, virou engenheiro eletrônico. Paula Mastroberti, que ganhava concursos literários e adorava desenhar, é escritora e artista plástica.
– Lembro que o professor de português dizia: vocês não passam de moluscos morais, seus burguesinhos bem nutridos. E de certo modo ele tinha razão, éramos muito alienados – diz ela, que como os colegas cresceu sob o cerco da censura e foi conhecer as lutas pela abertura política e a anistia durante a faculdade.
A ideia do encontro foi do advogado e empresário Daniel Casco, 47 anos, que em três décadas sempre manteve a lista de chamada e uma foto da turma em sua agenda.
– Eu aprendi o que era amizade com essa turma – emocionou-se.
O reencontro serviu também para revelar o mais bem guardado segredo da turma. Foi ali que a dona de casa Silvana de Paula Maria da Silva, 48 anos, finalmente descobriu quem foram os cinco sacanas que ergueram seu buggy e o inverteram de posição na garagem da escola.
– Fizemos tudo rapidinho e deitamos o cabelo – confessou o economista Alceu Marques, 47 anos.
Espaço para formaturas e reencontros
A partir desta semana, as cerimônias de formatura e as histórias de reencontro de colegas terão um espaço especial em Zero Hora.
No jornal impresso e na internet, uma coluna e um blog estarão permanentemente abertos aos leitores, para que enviem textos e fotos desses momentos especiais.
O material será publicado todas as quartas-feiras no caderno Vestibular, que passará a circular com uma nova seção, e diariamente no Blog das Formaturas, em www.zerohora.com. Valem desde imagens recentes até fotografias de solenidades ocorridas no passado – tanto na conclusão do Ensino Médio quanto na entrega do diploma de graduação e nas tradicionais festas de reencontro.
Também poderão ser incluídos relatos pessoais e histórias curiosas.
Se você quer dividir a emoção vivida nessas ocasiões, mande o seu recado em um texto de até 20 linhas e uma foto para o endereço: www.zerohora.com/blogdasformaturas.
Reportagem publicada no jornal "Zero Hora" do dia 14 de junho de 2009 (domingo) - páginas 30 e 31:
REENCONTRO DE COLEGAS
Uma amizade sem fim
Em 1977, quando se formaram no Colégio Anchieta, em Porto Alegre, Maria Isabel Santos, 49 anos, e Manoel Inácio Martins, o Maneca, 50 anos, tomaram rumos diferentes. Três décadas depois, em um encontro com os antigos colegas em um café, eles não apenas voltaram a se ver, como também se apaixonaram. Hoje, estão noivos.
Passados tantos anos, o casal ri das coincidências que a vida armou. Por pouco, Isabel e Maneca ainda poderiam estar separados – como acontece com muita gente que, depois da cerimônia de formatura, perde o contato com os colegas.
Os rompimentos, muitas vezes involuntários, podem ser definitivos em alguns casos. Apesar disso, para a psicóloga Myrna Cicely Couto Giron, do Instituto de Terapias Integradas de Porto Alegre, nunca é tarde para a reconstrução de velhos laços de amizade.
– É provável que os ex-colegas que não vemos mais também sintam saudade. Partilhamos com essas pessoas um tempo feliz, por isso é tão importante para muita gente retomar esses vínculos – avalia Myrna.
Isabel e Maneca que o digam. Eles integravam duas das 14 turmas que se formaram em 1977 no Anchieta. Com o certificado de conclusão em mãos, ganharam o mundo. Maneca se tornou agrônomo e acabou na Bahia. Isabel cursou Jornalismo e rodou o Brasil. Somente em agosto passado, no bistrô que ela abriu na Capital com o sugestivo nome de Café 77, a história mudou. Ao cruzar os olhares mais uma vez, eles imediatamente se reconheceram.
– Nos tempos de colégio, eu sempre ficava olhando quando ela ia para casa. Existia uma certa atração, mas nunca aconteceu nada – recorda Maneca.
Não demorou muito para que os dois começassem a namorar. Em janeiro do ano passado, com o apoio dos amigos da época de escola, Isabel e Maneca trocaram alianças de noivado.
– Ainda não marcamos a data do casamento, mas com certeza vamos fazer uma grande festa, com todos os nossos ex-colegas do Anchieta junto – garante Isabel.
O desfecho dessa história de amor digna de cinema é motivo de orgulho entre os anchietanos formados em 1977. Desde que organizaram um baile, em 1997, quando completaram 20 anos da formatura, eles não se distanciaram mais. De lá para cá, criaram um site próprio e comemoraram os 25 e os 30 anos da conclusão do Ensino Médio. Não contentes, estão planejando mais um evento, para julho deste ano, que promete emocionar. A ideia, segundo o empresário Marcos Daudt, 49 anos, é chamar um grupo de ex-professores para ministrar mais uma aula, como nos velhos tempos.
Depois de 25 anos, grupo voltou a se encontrar
Atividades desse tipo, tanto quanto as tradicionais festas de reencontro, são mais do que artifícios para resgatar amizades, na opinião do psiquiatra Alfredo Cataldo Neto, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
– Se ao final da faculdade ou do colégio, as festas são uma maneira de elaborar o luto da separação, os reencontros são uma forma de buscar nos colegas a nossa própria história – explica Neto.
Em novembro passado, ex-colegas da turma de Enfermagem e Obstetrícia formada em 1983 na Universidade de Caxias do Sul (UCS), na Serra, sentiram isso na pele. Depois de 25 anos de afastamento, eles deixaram suas casas, em vários cantos do Estado, e voltaram a se encontrar em um evento com direito a homenagens especiais, presença de antigos mestres e boas-vindas do reitor.
Ao recordar os tempos da faculdade, muitos choraram. Ao final, segundo uma das organizadoras do evento, a professora Nilva Lúcia Rech Stedile, 47 anos, os novos velhos amigos decidiram que não vão se afastar:
– Foi tão bom, que já começamos a pensar na festa dos 30 anos de formatura. Agora que nos encontramos, não queremos mais perder o que recuperamos.
Juntos desde 1970
O dia 4 de dezembro é sagrado para um grupo de médicos gaúchos formados em 1970 na UFRGS. Todos os anos, nessa mesma época, os ex-colegas de turma se reencontram para comemorar a formatura, relembrar antigas histórias e, principalmente, reforçar velhos laços de amizade.
Fazem parte dessa confraria alguns dos nomes mais conhecidos da medicina gaúcha. Desde o início, segundo o cardiologista Fernando Lucchese, 61 anos, a empatia entre eles foi tanta que os jovens aspirantes a doutores não se desgrudaram mais.
– Fazemos questão de nos manter unidos – diz o epidemiologista Jair Ferreira, 61 anos.
Quando o assunto são as festas de reencontro, o líder da turma desde os anos 70 é o cardiologista Sérgio Vasconcellos Dornelles, 64 anos. Segundo os colegas de bisturi, é ele quem puxa a frente na organização dos encontros – que acontecem no mínimo uma vez por ano. Em seu apartamento, Dornelles guarda um livro de presenças, no qual registra as festas da turma, desde o princípio.
– Isso também é história – ensina.
História, aliás, é o que não falta a esses médicos – e elas volta e meia reaparecem nas festas anuais. Certa vez, no início da faculdade, os inseparáveis amigos participaram de um curso de primeiros socorros. Ferreira lembra que, para aprender a aplicar injeções, tiveram de treinar um no outro, enchendo seringas com água destilada.
– A enfermeira mandou um colega aplicar a injeção e aspirar. Em vez de mexer na ampola para ver se tinha ar, ele encheu os pulmões. Todo mundo riu – conta Ferreira, preservando a identidade do fanfarrão.
A prova de anatomia copiada
O epidemiologista Jair Ferreira é quem entrega um dos episódios mais comentados pela turma nos seus reencontros.
Em 1967, os universitários andavam preocupados com uma prova de anatomia patológica e decidiram organizar um plano engenhoso para ter acesso às questões. Sabendo que a secretária do curso saía sempre às 16h para tomar café, um dos alunos pulou a janela da sala da funcionária.
Enquanto isso, outros estudantes ficaram de guarda e um terceiro grupo foi até o balcão do bar para retardar o retorno da mulher.
– Graças a essa ação perfeitamente coordenada, o colega invasor conseguiu copiar 20 das 25 questões da prova e safar-se a tempo. Para admiração dos nossos professores, todos tiraram mais que oito naquela prova. Eu fui um deles – confessa Ferreira.
Lições de Jalaô e Nicodemo
Um outra tradição dos reencontros da turma de 1970 é entoar o hino da faculdade. Inusitada, a letra da canção faz referência a Nicodemo e Jalaô, que seriam dois antigos cadáveres usados nas lições de anatomia.
– Tínhamos muito carinho por eles. Acho que foi ali que aprendemos a respeitar nossos pacientes – relembra o cirurgião José Camargo, 62 anos, diretor médico do Hospital Dom Vicente Scherer.
No que depender de Camargo e dos formandos de 70, Nicodemo e Jalaô jamais serão esquecidos. Em dezembro deste ano, quando a turma completar 39 anos da formatura, os nomes dos dois velhos conhecidos provavelmente serão entoados mais uma vez, em mais um reencontro.
Para matar três décadas de saudade
Como naquelas festinhas de garagem que a turma costumava realizar no final da década de 70, os homens chegam primeiro e ficam encostados no balcão. O som ambiente no restaurante do bairro Moinhos de Vento, na Capital, em nada lembra o das Frenéticas que os embalava na época em que frequentavam o Colégio São Pedro, no bairro Floresta, mas a expectativa é tão grande como era a espera por aquele beijo roubado ao fim da noite.
Trinta anos depois de se formarem no 3º ano do então chamado 2º Grau (hoje Ensino Médio), em 1979, o servidor público Rogério Paranhos, 46 anos, e o mecânico de manutenção Hildor Horwarht, da mesma idade, preparam-se para reencontrar pela primeira vez os colegas da turma 233.
Quando as primeiras colegas aparecem, às 20h, têm dificuldades para reconhecê-las. Elas se esforçam para reconhecer aqueles senhores de cabelos brancos, com barriguinhas salientes. Puxam referências da sala de aula.
– Eu sou aquela quietinha – diz uma delas.
– Eu sou aquela que sentava na parede – ajuda outra.
– Eu era o pegador, o dono da garagem – brinca um terceiro.
Meia hora depois, com a maior parte da turma reunida, parecem íntimos outra vez. Com uma cópia da lista dos colegas da época, o professor de química aposentado Fábio Bohrer, 56 anos, faz a chamada. Dos 38 alunos, 25 estão presentes. Outros, como Aurélio Gimenez, que mora no Rio, mandaram mensagens.
Ao ser chamado, cada um conta em três minutos o que fez nesses 30 anos. Antonio Manfrim, que chegou a ser expulso pelo ex-professor no primeiro dia de aula por estar de empurra-empurra antes de entrar na sala, virou engenheiro eletrônico. Paula Mastroberti, que ganhava concursos literários e adorava desenhar, é escritora e artista plástica.
– Lembro que o professor de português dizia: vocês não passam de moluscos morais, seus burguesinhos bem nutridos. E de certo modo ele tinha razão, éramos muito alienados – diz ela, que como os colegas cresceu sob o cerco da censura e foi conhecer as lutas pela abertura política e a anistia durante a faculdade.
A ideia do encontro foi do advogado e empresário Daniel Casco, 47 anos, que em três décadas sempre manteve a lista de chamada e uma foto da turma em sua agenda.
– Eu aprendi o que era amizade com essa turma – emocionou-se.
O reencontro serviu também para revelar o mais bem guardado segredo da turma. Foi ali que a dona de casa Silvana de Paula Maria da Silva, 48 anos, finalmente descobriu quem foram os cinco sacanas que ergueram seu buggy e o inverteram de posição na garagem da escola.
– Fizemos tudo rapidinho e deitamos o cabelo – confessou o economista Alceu Marques, 47 anos.
Espaço para formaturas e reencontros
A partir desta semana, as cerimônias de formatura e as histórias de reencontro de colegas terão um espaço especial em Zero Hora.
No jornal impresso e na internet, uma coluna e um blog estarão permanentemente abertos aos leitores, para que enviem textos e fotos desses momentos especiais.
O material será publicado todas as quartas-feiras no caderno Vestibular, que passará a circular com uma nova seção, e diariamente no Blog das Formaturas, em www.zerohora.com. Valem desde imagens recentes até fotografias de solenidades ocorridas no passado – tanto na conclusão do Ensino Médio quanto na entrega do diploma de graduação e nas tradicionais festas de reencontro.
Também poderão ser incluídos relatos pessoais e histórias curiosas.
Se você quer dividir a emoção vivida nessas ocasiões, mande o seu recado em um texto de até 20 linhas e uma foto para o endereço: www.zerohora.com/blogdasformaturas.
04 maio 2009
Mentiras consentidas
Crônica de Moacyr Scliar publicada no jornal "Zero Hora" do dia 3 de maio de 2009 (domingo):
Os estrangeiros que vêm ao Brasil frequentemente passam pela experiência. Eles conhecem algum brasileiro, o contato é amável, caloroso mesmo, e em geral termina com a frase: “Aparece lá em casa”. No dia seguinte, lá está o visitante, batendo à porta do potencial anfitrião, para surpresa e constrangimento deste. Porque, claro, o convite não era para valer. Era algo como uma frase que brota automaticamente dos brasileiros, e que os sociólogos e psicólogos enquadram na categoria das chamadas mentiras consentidas. Por que consentidas? Porque são tacitamente aceitas por todos nós, os nativos desse país. E sistematicamente causam surpresa àqueles que vêm de fora.
Mentiras consentidas são comuns entre nós. “Meu Deus, como você está bem!”. Mas a pessoa a quem dirigimos essa frase não está tão bem assim. Padece de alguma doença. Envelheceu. Saiu-se mal numa cirurgia plástica. É isso o que vamos dizer? De maneira alguma. Preferimos o “Meu Deus, como você está bem!” e ficamos em paz conosco mesmos.
Outro exemplo, este do sociólogo Roberto DaMatta: um amigo nosso escreveu um livro. Nós não lemos esse livro, ou então lemos, mas não gostamos. E aí o autor nos pergunta o que achamos de sua obra. Jamais seremos francos. Diremos algo como “É bem bom”, ou: “Funciona”. O que quer dizer isso, “funciona”? Provavelmente nada, mas nos livra de uma situação embaraçosa.
No Exterior é diferente. É famosa a frase do duque de Gloucester para o historiador Edward Gibbon, quando este levou-lhe mais um volume de sua obra Declínio e Queda do Império Romano: “Another damned, thick, square book! Always scribble, scribble! Eh, Mr. Gibbon?” “Outro maldito, grosso, quadrado livro! Sempre escrevinhando, escrevinhando! Não é, Mr. Gibbon?”. Notem que a intenção do duque não era ofender o autor; só dizia o que estava pensando, coisa que para um nobre inglês da época deveria parecer absolutamente normal.
Não, nós não somos o duque de Gloucester. Somos brasileiros, e a ficção sempre fez parte de nossas vidas, até como forma de defesa contra a pobreza, a desigualdade, a injustiça social. Deus é brasileiro? Talvez não seja, mas para um morador de favela essa pode ser a única esperança. É por isso, aliás, que usei a palavra “ficção”, e não “mentira”. A mentira sempre envolve um componente de sacanagem. A ficção, não. A ficção, e todo escritor sabe disso, é uma outra dimensão da verdade, é a verdade como ela deveria ser: toda história, idealmente, termina com um final feliz: “casaram e foram felizes para sempre”. Será que é esta a regra para todos os casamentos?
A mentira consentida também não é a mentira piedosa, que os médicos usavam muito no passado: “Isso não é nada, vai passar”. Muitas vezes não passava, muitas vezes a situação do paciente se agravava. Resultado: nos Estados Unidos, os médicos começaram a ser levados aos tribunais, acusados de ter ocultado (e a razão para isso era secundária) a verdade. Hoje em dia um médico americano não dirá ao paciente que “isso não é nada, vai passar.” Sua resposta será algo como: “Suas chances de recuperação com a cirurgia são de 22,5%, mas há um risco de óbito da ordem de 5,6%. Se usarmos o tratamento clínico, a possibilidade de melhora é de 21,3%, com efeitos colaterais surgindo em 12,3% dos casos”. Muito diferente, portanto, do “aparece lá em casa”.
Ao fim e ao cabo, porém, alguma mentira (os políticos que o digam) é inevitável. Desde que a gente não tenha o nariz do Pinóquio, tudo bem.
Os estrangeiros que vêm ao Brasil frequentemente passam pela experiência. Eles conhecem algum brasileiro, o contato é amável, caloroso mesmo, e em geral termina com a frase: “Aparece lá em casa”. No dia seguinte, lá está o visitante, batendo à porta do potencial anfitrião, para surpresa e constrangimento deste. Porque, claro, o convite não era para valer. Era algo como uma frase que brota automaticamente dos brasileiros, e que os sociólogos e psicólogos enquadram na categoria das chamadas mentiras consentidas. Por que consentidas? Porque são tacitamente aceitas por todos nós, os nativos desse país. E sistematicamente causam surpresa àqueles que vêm de fora.
Mentiras consentidas são comuns entre nós. “Meu Deus, como você está bem!”. Mas a pessoa a quem dirigimos essa frase não está tão bem assim. Padece de alguma doença. Envelheceu. Saiu-se mal numa cirurgia plástica. É isso o que vamos dizer? De maneira alguma. Preferimos o “Meu Deus, como você está bem!” e ficamos em paz conosco mesmos.
Outro exemplo, este do sociólogo Roberto DaMatta: um amigo nosso escreveu um livro. Nós não lemos esse livro, ou então lemos, mas não gostamos. E aí o autor nos pergunta o que achamos de sua obra. Jamais seremos francos. Diremos algo como “É bem bom”, ou: “Funciona”. O que quer dizer isso, “funciona”? Provavelmente nada, mas nos livra de uma situação embaraçosa.
No Exterior é diferente. É famosa a frase do duque de Gloucester para o historiador Edward Gibbon, quando este levou-lhe mais um volume de sua obra Declínio e Queda do Império Romano: “Another damned, thick, square book! Always scribble, scribble! Eh, Mr. Gibbon?” “Outro maldito, grosso, quadrado livro! Sempre escrevinhando, escrevinhando! Não é, Mr. Gibbon?”. Notem que a intenção do duque não era ofender o autor; só dizia o que estava pensando, coisa que para um nobre inglês da época deveria parecer absolutamente normal.
Não, nós não somos o duque de Gloucester. Somos brasileiros, e a ficção sempre fez parte de nossas vidas, até como forma de defesa contra a pobreza, a desigualdade, a injustiça social. Deus é brasileiro? Talvez não seja, mas para um morador de favela essa pode ser a única esperança. É por isso, aliás, que usei a palavra “ficção”, e não “mentira”. A mentira sempre envolve um componente de sacanagem. A ficção, não. A ficção, e todo escritor sabe disso, é uma outra dimensão da verdade, é a verdade como ela deveria ser: toda história, idealmente, termina com um final feliz: “casaram e foram felizes para sempre”. Será que é esta a regra para todos os casamentos?
A mentira consentida também não é a mentira piedosa, que os médicos usavam muito no passado: “Isso não é nada, vai passar”. Muitas vezes não passava, muitas vezes a situação do paciente se agravava. Resultado: nos Estados Unidos, os médicos começaram a ser levados aos tribunais, acusados de ter ocultado (e a razão para isso era secundária) a verdade. Hoje em dia um médico americano não dirá ao paciente que “isso não é nada, vai passar.” Sua resposta será algo como: “Suas chances de recuperação com a cirurgia são de 22,5%, mas há um risco de óbito da ordem de 5,6%. Se usarmos o tratamento clínico, a possibilidade de melhora é de 21,3%, com efeitos colaterais surgindo em 12,3% dos casos”. Muito diferente, portanto, do “aparece lá em casa”.
Ao fim e ao cabo, porém, alguma mentira (os políticos que o digam) é inevitável. Desde que a gente não tenha o nariz do Pinóquio, tudo bem.
07 abril 2009
Baderna cerebral
Crônica de Martha Medeiros publicada no jornal "Zero Hora" do dia 5 de março de 2009 (domingo):
Sobre o que mesmo que eu ia escrever? Vou lembrar, só um pouquinho. Calma... Calminha... Espere um instante...
Lembrei. Quero escrever sobre uma piada que cada dia se propaga mais entre as rodas de amigos. Pessoas trocam as palavras, esquecem nomes, se perdem no meio das frases e, pra se justificar, dizem: é o “alemão” se manifestando. Alemão é o apelido do Alzheimer, e quá quá quá, todos acham a maior graça da brincadeira, mas eu já não estou achando graça nenhuma.
Outro dia assisti na tevê a uma entrevista de um neurologista que dizia, entre outras coisas, que as mulheres têm uma memória melhor do que a dos homens. Estou em apuros. Comentei com uma amiga que está na hora de eu fazer uma vasculhagem cerebral, marcar meia-dúzia de tomografias e enfrentar o diagnóstico, seja ele qual for. Ela comentou que sente vontade de fazer o mesmo, mas que não tem coragem, porque é certo que algum curto-circuito será detectado: não é possível tanto esquecimento, tanto branco, tanto abobamento. Acontece com ela, acontece comigo, e com você aposto que também, ou você não lembra?
Alzheimer é doença séria, mas, que me conste, ainda não virou epidemia. O que vem sucedendo com todas (to-das!) as pessoas com quem converso é, provavelmente, uma reação espontânea a esse ritmo vertinginoso da vida e a esse turbilhão de informações que já não conseguimos processar. É um chute meu, óbvio. Meu diploma é de comunicadora, não de médica. Mas creio que o motivo passa por aí: nosso cérebro está sendo massacrado por uma avalanche de nomes, números, datas, rostos, fatos, cenas, frases, fotos, e isso só pode acabar em pane.
Coisa da idade? Então me explique o fenômeno que relato a seguir. Semana passada, minha filha de 17 anos disse o seguinte: “Ontem a gente vai dormir na casa da Gabriela, mãe”. Ontem vocês irão aonde, minha filha? Ela caiu na gargalhada. “Putz, quis dizer amanhã! Amanhã a gente vai dormir na casa da...”. 17 escassos aninhos e uma overdose de horas de navegação no mundo alucinógeno do MSN, MySpace, YouTube, Orkut e grande elenco. Só pode ser efeito colateral da informática, ou ela também já entrou pra turma das desvairadas?
Pode ser apenas mal de família. É uma hipótese, porém tenho reparado que é mal não só da minha, mas de todas as famílias do planeta Terra. O que é que está me escapando?
Afora muitas palavras difíceis e também as fáceis, muitos verbos complicados e também os de uso contínuo, muitos nomes desconhecidos e também os de parentes em primeiro grau, nomes de cidades distantes e o da cidade em que me encontro agora – Porto o que, mesmo? – o que está me escapando é uma explicação decente.
O que é que está acontecendo com a gente?
Sobre o que mesmo que eu ia escrever? Vou lembrar, só um pouquinho. Calma... Calminha... Espere um instante...
Lembrei. Quero escrever sobre uma piada que cada dia se propaga mais entre as rodas de amigos. Pessoas trocam as palavras, esquecem nomes, se perdem no meio das frases e, pra se justificar, dizem: é o “alemão” se manifestando. Alemão é o apelido do Alzheimer, e quá quá quá, todos acham a maior graça da brincadeira, mas eu já não estou achando graça nenhuma.
Outro dia assisti na tevê a uma entrevista de um neurologista que dizia, entre outras coisas, que as mulheres têm uma memória melhor do que a dos homens. Estou em apuros. Comentei com uma amiga que está na hora de eu fazer uma vasculhagem cerebral, marcar meia-dúzia de tomografias e enfrentar o diagnóstico, seja ele qual for. Ela comentou que sente vontade de fazer o mesmo, mas que não tem coragem, porque é certo que algum curto-circuito será detectado: não é possível tanto esquecimento, tanto branco, tanto abobamento. Acontece com ela, acontece comigo, e com você aposto que também, ou você não lembra?
Alzheimer é doença séria, mas, que me conste, ainda não virou epidemia. O que vem sucedendo com todas (to-das!) as pessoas com quem converso é, provavelmente, uma reação espontânea a esse ritmo vertinginoso da vida e a esse turbilhão de informações que já não conseguimos processar. É um chute meu, óbvio. Meu diploma é de comunicadora, não de médica. Mas creio que o motivo passa por aí: nosso cérebro está sendo massacrado por uma avalanche de nomes, números, datas, rostos, fatos, cenas, frases, fotos, e isso só pode acabar em pane.
Coisa da idade? Então me explique o fenômeno que relato a seguir. Semana passada, minha filha de 17 anos disse o seguinte: “Ontem a gente vai dormir na casa da Gabriela, mãe”. Ontem vocês irão aonde, minha filha? Ela caiu na gargalhada. “Putz, quis dizer amanhã! Amanhã a gente vai dormir na casa da...”. 17 escassos aninhos e uma overdose de horas de navegação no mundo alucinógeno do MSN, MySpace, YouTube, Orkut e grande elenco. Só pode ser efeito colateral da informática, ou ela também já entrou pra turma das desvairadas?
Pode ser apenas mal de família. É uma hipótese, porém tenho reparado que é mal não só da minha, mas de todas as famílias do planeta Terra. O que é que está me escapando?
Afora muitas palavras difíceis e também as fáceis, muitos verbos complicados e também os de uso contínuo, muitos nomes desconhecidos e também os de parentes em primeiro grau, nomes de cidades distantes e o da cidade em que me encontro agora – Porto o que, mesmo? – o que está me escapando é uma explicação decente.
O que é que está acontecendo com a gente?
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